terça-feira, 20 de setembro de 2011

A sala do Museu do Solar de Outeiro Seco: cadeira estilo Hepplewhite

A cadeira estilo Hepplewhite do meu amigo Nortenho

Como já aqui escrevi, já tenho uma memória esbatida do interior do Solar. Recordo-me bem da impressão causada pelo sol, que invadia as salas todas, da imensa biblioteca com livros de dois, três e quatro séculos, das peles de animais exóticos que decoravam as paredes, dos pedaços de mosaico romano na vitrina do museu, bem como de dúzias de instrumentos em pedra e metal dos tempos pré-históricos. Claro, também me lembro da fonte em alabastro com os passarinhos, que neste momento está em minha casa, mas esse é o género de objectos, que encanta qualquer criança. Ainda hoje muitas crianças adultas se encantam com a peça quando a vêem na minha casa. Mas a memória é uma caixa de capacidade limitada e por muito que eu queira extrair mais informações sobre a casa não consigo.


A fonte de alabastro, peça italiana do séc. XIX

Talvez por isso faça este exercício do blog, que é uma forma partilhada com os meus seguidores de descobrir, trazer do esquecimento mais pormenores sobre o solar. Creio que ambiciono um dia fazer uma espécie de site na internet, que levante de novo as paredes do Solar Outeiro Seco e volte a abrir as salas cheias de sol, que por vezes ainda aparecem nos meus sonhos, embora cada vez mais raramente.

A sala do museu, onde do lado direito, assinalada coum um traço se vê a cadeira Hepplewhite

Na última, vez que apresentei uma fotografia da sala do museu, a propósito do post sobre o canapé, um dos meus seguidores nortenhos imediatamente reparou numa outra cadeira, que a objectiva fixou e enviou-me uma imagem de peça idêntica da sua colecção, feita em pau-santo. Foi muito curioso, porque há uns tempos o meu amigo Humberto tinha-me enviado uma imagem da cadeira autêntica, a que está na fotografia antiga e que neste momento é propriedade de uma familiar minha. Na época pensei escrever sobre ela, mas faltou-me a história e pois gosto sempre tecer uma pequena narrativa à volta dos objectos. Agora com as duas fotografias achei que tinha chegado a altura de escrever sobre esta cadeira, que mobilou outrora a sala do Museu de Outeiro Seco.

A cadeira que estava do Solar dos Montalvões. Fotografia de Humberto Ferreira

A cadeira do meu seguidor nortenho e a cadeira do Solar, que são quase idênticas, foram feitas segundo o estilo Hepplewhite.

Outro detalhe da cadeira em pau santo do nosso amigo do Norte


Conforme se pode ler na Wikipédia, este estilo tem origem num senhor chamado George Hepplewhite, um marceneiro inglês, que viveu entre 1727 e 1786, contemporâneo de outros dois nomes míticos do mobiliário inglês, Thomas Sheraton e Thomas Chippendale. No entanto o Senhor Hepplewhite no seu tempo não foi famoso, nem se conhecem realmente peças assinadas por ele. Só após a sua morte, quando a mulher Alice tomou conta do negócio e fez publicar um livro com 300 desenhos de modelos concebidos pelo marido, The Cabinet Maker and Upholsterers Guide, é que obteve reconhecimento público. Mais o livro tornou-se uma bíblia para todos os marceneiros ingleses, influenciou de forma indelével o mobiliário inglês e norte-americano da primeira metade do século XIX e por cá o estilo D. Maria acusa inspiração neste estilo. Aliás, é provável que as duas cadeiras em causa sejam datadas da primeira metade deste século.



The Cabinet Maker and Upholsterers Guide

Em suma, apesar de Senhor Hepplewhite ter desenvolvido a sua actividade no século XVIII, a sua influência começa depois da sua morte e acentua-se ao longo do XIX. Aliás, os modelos do seu livro nunca deixaram de ser copiados e ainda hoje as casas da chamada mobília de estilo fazem cadeiras Hepplewhite.



The Cabinet Maker and Upholsterers Guide
Hepplewhite é um estilo esbelto, caracterizado pelo espaldar em forma de escudo e pernas rectas, que se tornou ao longo de dois séculos uma referência clássica do mobiliário ocidental.

2 comentários:

  1. Eis um dos elos de uma cadeia que me parece muito interessante.
    Peças antigas como estas, feitas no interior rural e tão semelhantes entre si, são muito difíceis de encontrar a não ser que
    . ou o artesão que as fabricou foi o mesmo (estes artesãos poderiam deslocar-se a grandes propriedades que lhes alugavam os serviços no sentido de fabricarem peças de mobiliário - o meu bisavô e um meu tio-avô faziam isso mesmo, deslocavam-se a casa de famílias nobres abastadas que lhes encomendavam a construção de peças de mobiliário, peças estas que constavam de cadernos de desenhos e esquemas que aqueles artífices possuíam, como se de um portfolio se tratasse; por sorte possuo alguns destes desenhos)
    . ou então trata-se uma grande e feliz coincidência!
    Talvez até exista uma outra razão, mas, neste momento, escapa-se-me.
    Estas cadeiras são de grande beleza, sobretudo no que toca às suas proporções, que são quase perfeitas, e às linhas elegantes do espaldar, não obstante as características rurais, mais antigas, que aparecem nas travessas que unem as pernas.
    Pena que a palhinha da primeira cadeira não tenha alguma patine, ficaria perfeita, se a possuísse.
    Na segunda, a que pertence à tua parente, a madeira tem um ar baço e até algo sujo; creio que aqui, ponho por hipótese, talvez seja da fotografia - nem sempre elas nos correm bem, eu que o diga :(
    Este estilo de cadeira está mais relacionado com os estilos que surgiram no século XVIII em Inglaterra, de que Chippendale, Hepplewhite, Sheraton e os irmãos Adam foram os principais responsáveis.
    Foi um período muito feliz para a produção de mobiliário, com as influências gótica, oriental, francesa, italiana (de que Palladio era o mestre a copiar!) e até holandesa a concorrerem no aparecimento de peças exóticas e elegantes, que andavam a par com o início, e posterior desenvolvimento, da revolução industrial em Inglaterra e com o consequente aparecimento de uma classe abastada, burguesa, que queria aparentar aquele ar mundano, viajado e intelectual.
    França, com uma classe aristocrática dominante formada por famílias de antigos nomes, esteve fora deste circuito de influências, ainda que também experimentassem alguns pontos comuns, como a influência oriental, por exemplo.
    Os interiores dos irmãos Adam são fantásticos, de tal forma que o seu aparecimento deu azo ao que se convencionou denominar de estilo "Irmãos Adam", o qual se refere a uma tendência que procurava unir sob uma mesma tendência esquemática, não só a arquitectura como o mobiliário, decoração, carpetes, objectos de adorno e pintura.
    Portugal, pela nossos condicionantes históricos, sobretudo após as invasões francesas, experimentou uma predominante influência inglesa, que não sei se foi para melhor ou pior, nem creio que julgar isso seja importante ... mas que produziu coisas muito interessantes, lá isso produziu!
    Os meus parabéns aos donos de tais peças! São dignas e representativas de uma era
    Já me alonguei sei ... mas é um peça de mobiliário!
    Manel

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  2. Gostei muito do teu comentário Manel. Já contava com os teus conhecimentos de mobiliário no blog a propósito destas duas cadeiras. A fotografia da cadeira que pertence à minha familiar foi tirada de noite, o que como sabes, nunca é a melhor hora do dia para obter imagens.

    Talvez o nosso seguidor do Norte nos esclareça acerca da origem da sua cadeira e permita alguma luz sobre este assunto.

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