domingo, 11 de setembro de 2011

Uma fotografia do pós-guerra

Gosto de ver fotografias antigas de famílias. Cada uma delas fixou para sempre um tempo da história, ainda que o seu objectivo fosse mostrar prosaicamente um vestido novo, um momento de coquetterie, assinalar um aniversário ou um passeio.

Esta fotografia da minha mãe Teresa e da sua irmã Francisca foi tirada ao fundo da vila transmontana de Vinhais, em direcção a Bragança. A estrada ainda era de macadame e do lado direito não existia qualquer espécie de construção, nem o Tribunal, nem as vivendas cinquentonas, que depois ocuparam o local. Não há carros e elas posaram demoradamente no meio da estrada para a câmara. Ao fundo vê-se a casa da Cavaquinha, uma senhora que era tão forreta que apanhava as lagartas das culturas à mão e mais ao fundo ainda outra casa, que pertencia à uma amiga da minha mãe a Maria Efigénia.

Poderemos datar a fotografia entre 1945 ou 1946. As modas ainda acusam as tendências do período da guerra.


Os sapatos são ainda com solas muito grossas. Durante a Segunda Guerra mundial o couro escasseou e os sapatos passaram a ser fabricados em materiais como cortiça, borracha reutilizada de pneus e madeira. Consequentemente desapareceram os escarpins finos e elegantes e as plataformas tornaram-se numa moda irremediável para todas, como se pode ver nesta imagem de Paris, durante o período da ocupação (1940-1944).

Os sapatos em Paris durante a ocupação

As saias são também relativamente curtas, pois durante este conflito mundial houve racionamento de tecido por toda a Europa, inclusive num país neutro como Portugal e as mulheres não tiveram outra solução senão procurarem estar elegantes com menos pano. A minha mãe e a irmã seguem também outra moda surgida em Paris durante a ocupação. As saias travadas desaparecem quase por completo, pois as mulheres precisavam de alguma folga nas pernas para andarem de bicicleta, uma vez que os carros particulares quase que desapareceram das cidades europeias durante este período.

Durante a ocupação as saias tornaram-se menos justas para permitir ás mulheres usarem as bicicletas


Os ombros dos vestidos são marcados, sem dúvida influência dos uniformes militares.


Paris durante a Ocupação: os chapéus feitos de nada

As duas irmãs só não apresentam os fantásticos chapéus parisienses do período da ocupação, feitos de nada, que desafiavam a lei da gravidade. Nesta altura, as parisienses punham nos chapéus tudo aquilo que não podiam aproveitar para a roupa, como restos de tecido, de lã, aparas de madeira envernizadas ou bocadinhos de passamanaria e os resultados eram fabulosos.


Paris durante a Ocupação: os chapéus feitos de nada

Mas obviamente, Vinhais não era Paris, a minha mãe e a minha tia não andavam de bicicleta, saiam de casa apenas para ir à Missa e fazer visitas e certamente iriam acompanhadas por algum chaperon, como um irmão, uma criada velha ou uma tia. Viviam numa vila perdida no extremo Norte de Portugal, num período em que os costumes eram apertados para as jovens. Claro, deveriam consultar avidamente os figurinos, o nome antigo que se dava às revistas de moda, publicações que apesar da devastação da Europa, nunca deixaram completamente de circular.

O new look de Dior em 1947
Pouco tempo depois de ser feita esta fotografia, no ano de 1947, quando o racionamento está a acabar, Christian Dior lança o new look, caracterizado por saias até á barriga da perna, com muita, muita roda, de tal forma que os homens e mulheres conscienciosos se indignaram com o enorme desperdício de tecido. Portanto, 1947 é um ano que serve para datar as fotografias antigas. Os vestidos femininos são antes ou depois de 1947

Os meus seguidores amantes da faiança, da gravura ou mobiliário que me desculpem por esta incursão à moda, mas as fotografia antigas levam os nossos pensamentos em todas as direcções e eu gosto de fazer a chamada petite histoire

7 comentários:

  1. Bom domingo Luís
    Amei a sua Petit historie...com as atrizes principais a sua querida mãe e tia.

    A fotografia antiga também me fascina imenso.

    Outras vezes aqui falámos do cariz de beleza incomum, delicada,de raiz judaica, meninas finas, educadas e muito elegantes no seu trajar moderno a nível europeu possivelmente comprado no Porto na época de 40...umas princesas!

    No imediato fizeram-me lembrar a irmã da minha mãe ainda mais velha que nos anos 30 quando estudou em Coimbra foi muito vaidosa, a minha mãe com menos 24 anos contava que no sótão da casa havia poceiros de verga abarrotar de sapatos e chapéus dela...

    No tempo só as filhas de gente abastada se podiam gabar de trajar tão requintado.

    Curiosamente as sandálias que usavam, voltaram a estar na moda em 75, a filha dessa minha tia usou umas no dia do seu casamento que jamais esqueci.

    Ao recordar a sua querida mãe tão linda e cheia de juventude, senti na estória uma melancolia por ela ter vivido num tempo de costumes muito apertados para os jovens que apenas ambicionavam a felicidade,muitas nunca a encontraram num tempo que durou até à minha geração...e que sei o Luís descobriu quando estudava em Coimbra...
    Sou uma apologista da vida e nela da felicidade, deveríamos todos ter força e lutar com coragem por a alcançar antes do dia da partida...
    Falar é fácil, outros impedimentos mayores se alevantam e nos encravam o pensar e assim se definha a esperança da felicidade tão sonhada...
    Mas que raio de arrozado hoje aqui deixo. Desculpe.
    Bjs
    Isabel

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  2. Sa petite histoire c'est très belle!!! Minha avó materna dizia :" a moda é como um cesto ,quando fica cheio ,vira-se e começa tudo de novo "! Eu concordo com ela ; claro que há adaptações mas a essência mantém-se .
    Ab.
    Quina

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  3. Cara Isa gostei muito do seu comentário. A Isabel está sempre mais à vontade naquilo que não é palpável ou concreto, nos assuntos em que que pode dar largas para o seu espírito correr em todas as direcções.

    As fotografias permitem várias leituras, muitas interpretações. Eu fiz uma, a Isabel fez outra diferente e outras seriam possíveis.

    Nesta época, as jovens deste meio e nestas çpequenas localidades não compravam os vestidos. Espreitavam os figurinos, nem que fosse nos jornais, escolhiam a fazenda ou tecido e no caso da minha mãe e da sua irmã, elas próprias os fariam, talvez com a ajuda da irmã mais velha.

    Beijos

    Luís

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  4. Obrigado Idanhense sonhadora

    A Chanel dizia qualquer coisa com o mesmo sentido "La mode se démode, le style jamais"

    Abraços

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  5. A fotografia é uma das formas, onde, entre outras, melhor te expressas e atinges pontos de grande eloquência, intimidade e sensibilidade.
    E devo acrescentar que é bom trilhar estes caminhos pois são parte da nossa herança e são afinal aquilo que somos hoje.
    É interessante verificar que a moda "feita de nada" corresponde ao mais elevado grau da imaginação e criatividade humanas. O que nos vem provar que não é necessário muito para fazer um estilo atraente e, ao mesmo tempo, apelativo no campo económico.
    A contrastar, as modas que vão aparecendo, e felizmente desaparecendo, onde impera o mau-gosto de mão dada com a excentricidade e o excesso, nos antípodas da máxima que rege muito do que de bom vai acontecendo: "less is more".
    É de ficar de olho arregalado para a "bergère" que aparece na última foto, que, sendo de Dior, será certamente de época! Para lá da foto que é lindíssima!
    Muito apropriada a frase da Chanel!
    Manel

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  6. Caro Luís,
    Surpreende-me sempre a capacidade que tem de apresentar aqui posts tão elaborados a partir muitas vezes de um único objecto que para o comum dos mortais não teria qualquer história, mesmo que “petite”…
    Também gosto muito de fotografias antigas de família e em casa dos meus pais há algumas da minha mãe e amigas com este tipo de vestidos e calçado.
    Eu sou mais velha do que o Luís, já bem cinquentona como as tais vivendas de Vinhais :), mas as nossas mães devem ter idades próximas, daí a semelhança que encontro. A minha mãe era muito vaidosa, sempre gostou de se vestir bem (ainda gosta, felizmente) e comprava muitas vezes os tecidos em Coimbra para mandar fazer em costureiras em Condeixa ou noutras terras onde vivemos.
    Eu não era nada como ela, nunca liguei muito à roupa e à moda e quando saí de casa com os meus dezassete anos, era uma autêntica desgraça… Agora estou melhor, mas mesmo assim a fatiota não é de modo nenhum um dos meus interesses.
    Apesar disso, um post assim bem escrito, tão bem enquadrado com todas as associações que faz aos acontecimentos históricos da época, à forma como a moda se lhes teve que adaptar e às mudanças nos hábitos das mulheres, foi para mim um texto muito agradável de ler.
    A propósito, já agora acrescento uma “petite histoire”:
    O hábito de as mulheres andarem de bicicleta sempre esteve muito arreigado aqui na Bairrada; a minha sogra e as irmãs tinham cada uma a sua bicicleta e usaram-na para as suas voltinhas diárias até uma idade avançada. Uma dessas irmãs, tia do meu marido, ainda ia à farmácia e ao correio, na sua bicicleta, quase com 90 anos!
    Um abraço

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  7. Maria Andrade

    Sempre funcionei bem com temas livres. Quando na escola tinha que fazer redacções ou desenhos subordinados a um tema, saia sempre uma coisa sem graça. Se pelo contrário, o assunto era livre, enquanto os meus colegas berravam, que não sabiam o que escrever ou desenhar, já estava eu embrenhado no papel a trabalhar uma ideia qualquer.

    O blog dá-me a hipótese de pôr em prática uma certa criatividade, expressando as ideias que me passam pela cabeça quando vejo fotos antigas ou objectos do passado.

    Esqueço-me sempre que no País há zonas planas, onde se circula correntemente de bicicleta, de tal maneira tenho vivido entre calçadas, colinas e montanhas

    Abraços

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